Outro núcleo dos trabalhos aqui apresentados, a fotografia em película, popularmente conhecida como “analógica”, permite uma reconfiguração da relação do fotógrafo com o que fotografa, já não havendo a mediação do resultado imediato. Vê-se o efeito disso, em Wagner Okasaki, na própria escolha dos assuntos, transversais ao roteiro principal do Círio, e na sensação de participação que suas imagens evocam; em Marise Maués, na atenção ao humano, esteja ele num olhar ou num gesto; em Úrsula Bahia, no descobrimento de imagens atemporais nos assuntos mais comuns; em Raphael da Luz, no surgimento de imagens que ilustram a ambivalência sagrado/profano do Círio muito curiosamente (está-se diante de uma disputa por um pedaço de corda ou de um grupo dançando; de uma plateia que observa uma apresentação junina ou a passagem da santa?). Em todos estes trabalhos, é o fato do fotógrafo estar ali de corpo inteiro, perto, junto, que confere às imagens a sua força.
Por fim, Rafael da Luz se utiliza da cianotipia para ressignificar imagens lidas como erros/ruídos/perdas. Portanto, retira-as do ostracismo com o recurso a três gestos: primeiro, o fotógrafo escreve imagens não convencionais com a luz; depois, o artista visual pincela os químicos que sensibilizarão o papel, adicionando a cor e a textura; por último, o acaso decide como a luz será incorporada no papel, em contato com os negativos impressos. Com isso, Rafael não apenas “salva” as imagens aqui presentes, mas convida o mundo das ideias a invadir o das imagens, escancarando o belo ao olho destreinado.
Os trabalhos aqui expostos dão testemunho de outra natureza de fé – a do processo criativo –, e percorrem um mesmo caminho: o da graça da experimentação – Outros Milagres.
Leo Jinkings
Renato das Neves
Memórias Difusas do Círiopinhole digital
2024
“A ausência de lentes transforma cada captura em um respiro de tempo”
“O Círio aparece difuso, quase inalcançável — não como documento, mas como memória.”
“Um convite a sentir mais do que a ver”
“Um Círio íntimo, coletivo”
Joyce Nabiça
Círio pinhole digital e em película
2003 -
Durval Soeiro
BanquetePinhole com filme colorido, câmera feita com caixa de fósforo (público)
2012
As duas imagens representam prática de abate de animal(porco) que será utilizado no almoço do Círio em prato típico desse período, a maniçoba, na periferia de Belém, bairro do Jurunas em 2012.
Wagner Okasaki
O Sacrário das SombrasFotografia em filme pretro e branco, 2010 a 2012.
“Fui atrás de imagens que contassem histórias ao largo do roteiro principal.”
“Os artesãos das peças de cera na Cidade Velha, os patos no abatedouro à espera do tucupi, os soldados abrindo caminho em meio à multidão, o churrasquinho que sacia os que têm fome, os guardas de Nazaré exaustos entre uma procissão e outra”
“As imagens foram captadas em 2010 a 2012, e foram encadeadas nesta narrativa por afinidade temática, evocando correlações entre os elementos retratados, e conduzindo o espectador desde a ideia de gênese até o descanso final, com desfecho no anticlímax do pato eviscerado, que se conecta visualmente à primeira foto.”
Marise Maués
Fé, devoção e sacrifícioFotografia analógica b&b
início dos anos 2000
Ursula Bahia
RomariaFotografia analógica com customização.
2002
Raphael da Luz
Sem títuloFotografia Analógica. Kodak Double X 400.
2024
“As imagens demonstram momentos da procissão em que elementos da paisagem se fundem aos humanos”
Rafael da Luz
(re)velar memórias de luz Cianotipia
2014-2025
“O trabalho é um diálogo com imagens não convencionais inspiradas em processos fotográfico com o de Daido Moriyama em seu livro "Adeus Fotografia" e uma prática de (re)visitar e (re)significar sentimentos e momentos enquadrados nos Círios de Nazaré a partir do que é considerado erro/ruído/perda das imagens que foram realizas em 2014.”